Este blog a partir de agora será um território de pontes e
diálogos dos meus olhares em Moçambique ou outros lugares de África! Além de
ser um espaço para as umbigadas e umbigos, enquanto gestualidades e ideias que
tem me instigado!
Então, começo a compartilhar algumas cartas que venho escrevendo
para mim, para vocês, para a memória, e quem sabe para colher algum fragmento
para posterior escrita mais elaborada e conceituada para tese de doutorado.
No caminho, na passagem Brasil -
Moçambique
Dentro do avião, de São Paulo para
Johanesburgo, estava no meio de dois senhores homens grandes, um indiano e
outro sul africano.
O senhor indiano queria
conversar e o sul africano escutava Stevi Wonder e Bob Marley e ficava cantando
alto.... muito engraçado.
Johanesburgo tem um aeroporto gigantesco, cinco
vezes maior que o de Sampa, lugar de trânsito para quem vai para Índia e
China...na chegada em Maputo vi aquele descampado de terra e verde com
palmeiras...parecia que estava chegando ao maranhão...kkkkk...
Cheguei a Maputo no sábado, no segundo dia da semana de dança
contemporânea e estou impactada e encantada com a força da dança aqui! À noite,
fui assistir a um espetáculo de dança contemporânea que achei belíssimo, um
solo com uma gestualidade verdadeira e extremamente visceral! Havia um baixo e um tambor (parecido com
o tambor grande do tambor de crioula) sendo tocados ao vivo em conjunto com
sons eletrônicos vindos de algum pedal ou coisa parecida. Conheci um
monte de gente da área de dança e performance em poucas horas... amanhã faço
parte de uma mesa redonda sobre formação em dança...com este trabalho que vi e
as poucas conversas, já tive a certeza que vim para um lugar fértil do diálogo
entre o tradicional e o contemporâneo...
Alguns instrumentos...
Por aqui os taxis não tem taxímetro e o preço é combinado, preciso me interar disso...kkkk...além disso tem umas motos meio carro chamadas de Tchopela (inspirado naqueles veiculos da índia). Não tem ônibus ou Luiza, com quem estou morando, me disse não ser seguro, ate vi umas vans que são chamadas aqui de chapas, o trânsito é meio louco, mãos de carro para os dois lados e ah, é igual a carro de inglês, com volante para o lado direito, terei que treinar.
Acabo de
sair de um bate papo, uma reflexão sobre formação em dança que foi muito
instigante. Abri o diálogo falando de minha experiência e colocando a realidade
no Brasil... as formações em dança em escolas, universidades e as possibilidades
de mercado de trabalho. Sabes quando conheces um monte de gente ao mesmo tempo
de várias instituições?
Efervescência
na cabeça, ebulição de ideias, excitação do que tenho conhecido.
O que tem
na dança contemporânea africana e no caso, Moçambicana, que traz uma verdade e
força tão cênica? Que presença está disposta nesses corpos? Estruturas
corporais feitas de que técnicas? Como serão seus processos de criação?
Perguntei
para vários bailarinos e pesquisadores sobre a expressão “umbigada” e todos disseram
que não conhecem por aqui, mas umbigo é universal.
Maputo 14 de agosto de 2012
Hoje vim andando para o centro pela
primeira vez e demorei uns quarenta minutos. No caminho a descoberta da cidade,
as vielas, os jeitos que as pessoas andam nas ruas, as mulheres que carregam
filhos e de tudo na cabeça, as verduras e frutas sendo vendidos em panos no
chão,o sol e a areia presente nos pés.
Tô assistindo a aula do Idio, um
bailarino moçambicano, que faz parte de uma Cia francesa em Toulouse.
Interessante como usa técnicas no chão e traz manobras da capoeira
transformadas em dança. Muitos rolamentos. Lembra um estilo hip hop. Tem cinco
homens e cinco mulheres, mas por enquanto tenho visto mais homens que mulheres
dançando. Esta aula é fruto de uma residência que está fechando nesta terceira
semana, então já existe sequências e partituras prontas de coreografia.
Idio busca precisão e detalhe, além de
buscar de cada bailarino que falem o que estão fazendo, sistematizando e
esclarecendo os processos na fala.
Ele pergunta e diz: “que elementos,
que bases formastes esta frase? É preciso fixar os movimentos e formar a
frase.”
A importância de abrir os olhos e
estar conectado – olhar o outro. É preciso estar todo envolvido e dentro desta
sala, esquecendo o de fora. Se não tem precisão e limpeza não vemos nada. Tenho
que saber para onde eu vou...começou vai até o fim! Traça para ficar nítido.
Assumir as decisões tomadas.
Maputo 15 de agosto de 2012
Hoje está sendo o segundo dia de
reflexão da Semana de Dança Contemporânea com o tema “profissionalização”.
É interessante observar como a maioria
dos bailarinos chamam-se de soldados da dança contemporânea de Moçambique. A
questão política é muito presente. Mas também vamos imaginar que este País teve
10 anos de guerra pela libertação da colonização dos portugueses, que cessou em
1975 e em seguida 16 anos de guerra civil que encerrou em 2002, somente 10 anos
de uma “liberdade” ainda muito sacrificada e dependente. Enfim, muita
história...
A profissionalização está ligada a
institucionalização e ao mercado de trabalho.
Dizem que a Cia de canto e dança de
Moçambique é bandeira. Há uma invocação política!
Os presentes bailarinos citam muito
como uma “batalha em nome das artes”.
Moçambique é uma sociedade em
transição, pós apartheid, pós mundo partido entre socialismo e capitalismo.
Uma bailarina chamada Edna disse que
tem o profissional vivencial e o profissional institucional. Eu achei muito
interessante a maneira como ela separou os profissionais quem tem apoio e os que
não têm, mas que mesmo assim tem qualidade no trabalho.
As línguas maternas do sul de Moçambique:
Ontem apresentei o espetáculo Umbigar,
fazendo parte da Semana de Dança Contemporânea da Iodine, foi muito emocionante
mostrar meu trabalho, minha identidade em solo Moçambicano. Apesar de estar um
pouco nervosa, afinal estar sozinha no palco não é fácil, parecia que toda
minha base, de minha trajetória de vida como artista e brincante, senti que
estava firmada sobre meus pés.
E me lembrei de meus mestres Abel,
Teté, Apolônio, Nadir, Itaercio, Julia Emilia, Felipe, Malá e minhas atuais
diretoras Natasha e Paula e me senti forte e viva! Só pensava que queria dançar
com prazer, muita vontade e principalmente com tranquilidade, aproveitando de
cada gesto e palavra que falasse ou cantasse. Queria poder degustar dos sons e
gestos trazendo precisão. E assim, com calma, mostrei meu corpo e minha
presença em cena e durante, mesmo não olhando os olhos das pessoas que me via,
por conta da plateia estar com pouca luz, sentia que uma troca estava
acontecendo. Quando terminei de dançar, agradeci a todos o presente de estar
ali em um palco na cidade de Maputo, apresentando meu olhar sobre a dança
popular contemporânea brasileira.
Maputo 16 de agosto de 2012
Hoje realizei uma oficina de danças brasileiras com o grupo de “bailarinos” (como eles se denominam), do grupo de residência da Semana de Dança contemporânea da Iodine. Este grupo está a três semanas fazendo aulas com Idio, bailarino moçambicano que trabalha em uma Cia Francesa e outros profissionais. Hoje realizei a dança do cacuriá com a caixa do divino, do coco e do frevo com guarda chuvas tradicionais.
Iniciei a aula como sempre costumo fazer em roda com um alongamento e logo depois vários jogos para abrir o espaço da brincadeira (se bem que eles já são abertos por natureza, pelo menos é uma forte sensação que tenho percebido) e logo depois comecei a puxar a dança do cacuriá, através da gestualidade do “pisando barro” e depois frevamos.
Eles não tiveram dificuldade em
nenhuma dança, pelo contrário, não saíam da pulsação, as vezes, duplicavam ou
até triplicavam a pulsação da gestualidade do coco e do frevo, mas estavam
dentro, davam um jeito próprio para estarem no ritmo. Não foi preciso
desmembrar passo, pois na primeira vez que mostrei já foram juntos dançando.
Percebi o quanto o ritmo faz parte do corpo deles.
Na hora que terminamos a aula pedi
para que cada um falasse alguma coisa que havia sentido. E foi muito
interessante escutar eles falando que a dança traz uma alegria que não havia
como não estar disponível para ela e que só conheciam o samba, então que
estavam achando muito interessante perceber que também é parecido com a cultura
deles.
Idio disse, que sentiu a apresentação
de ontem do Umbigar, como a continuidade da aula de hoje. Que conseguiu
visualizar meu trabalho e agradeceu por ter aprendido mais uma ferramenta para
seu próprio trabalho, já que é de Moçambique e nunca havia pensado em misturar
esses estilos de dança desta maneira, disse que abriu mais uma possibilidade no
seu conhecimento de bailarino. Muitos disseram que ficaram com vontade de
dançar e conhecer mais e lembraram de algumas brincadeiras Moçambicanas que
quase não se vê mais na capital, que se faz com cantos, palmas e dança.
Foram dez bailarinos, três deles,
fazem parte de grupos tradicionais. Além disso, havia uma brasileira de São
Paulo que disse pensar que veio a Moçambique buscar as danças tradicionais e
que não conhece nem as danças do Brasil e ficou com muito mais interesse. Ela
vem do grupo Corpo, assim como, já fez cursos no Teatro Brincante do Antônio
Nóbrega.
Para mim foi muito interessante
perceber a memória corporal de cada um, a presença e abertura para a dança e
para o jogo. Comentamos da alegria das danças brasileiras e que as danças de
Moçambique são mais fortes...
A cada dia escuto uma palavra nova,
vivo uma situação diferente nas ruas por onde caminho e assim vou descobrindo
os caminhos da cidade de Maputo...
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Universidade que estou fazendo a investigação do doutorado |